Ecletismo, o revisionismo disfarçado
Todos nós sabemos da grande importância histórica do Partido Comunista. Sem ele, anulam-se as chances da revolução e da construção do socialismo. Por isso, a sua forma de organização sempre foi um importante ponto de debate. Afinal, não estamos lidando com um simples partido social democrata que se reduz ao parlamentarismo reformista — estamos lidando com o Partido da revolução social que tem objetivos muito maiores que a disputa eleitoral. Qual é, então, a forma de organização do nosso Partido? O Centralismo Democrático.
O Centralismo Democrático é o que transforma nosso Partido num verdadeiro Estado Maior do exército operário, o único capaz de levar as classes exploradas até a fase de luta aberta contra a burguesia. Ele que guia o Proletariado numa direção única e revolucionária. Mas onde podemos vê-lo? Na disciplina férrea, na crítica e na unidade do Partido. Com ele, o Partido passa a ser mais que a soma de seus militantes, tornando-se um organismo vivo e pensante. Isso faz do entendimento da forma de organização do Partido — o Centralismo Democrático — o determinante de diversas questões.
Porém, vemos que nem todos entendem essa forma de organização perfeitamente. Afinal, ao que parece, alguns marxistas-leninistas — assim considerados — “entenderam” que a unidade do Centralismo Democrático é uma unidade apenas na ação. Para isso, resgatam Lênin afirmando que ele nada disse sobre a unidade teórica e inventam um novo nome para essa unidade: “Centralismo Teórico”. Dizem que Lênin acreditava no Centralismo Democrático como uma “unidade na diversidade”, uma que permitisse diferentes visões sobre o socialismo e a revolução. Nesse sentido, dizem que um partido não pode dar uma única visão correta do que é o marxismo e, por isso, é incapaz de julgar as diferentes visões de seus quadros, aceitando, assim, todas as diferentes teorias que se auto intitularem comunistas, mesmo que apenas na aparência. O que isso conclui para ecletistas? Que podem existir leninistas, trotskistas, maoístas e toda sorte de comunistas no mesmo partido.
Esse grupo de “marxistas-leninistas” que, a propósito de distinção, chamaremos de ecletistas comete um grave erro de interpretação ao promover o ecletismo ideológico — ou seja, a diversidade pela diversidade, a coexistência de diversas ideologias e, principalmente, a conciliação mecânica delas. Por isso, revelar os erros e consequências desse desvio é uma tarefa fundamental do leninismo. Devemos denunciar os ecletistas para que percam sua legitimidade no movimento comunista o mais cedo possível. Buscando isso, iremos esclarecer como os ecletistas abandonam vários elementos do materialismo dialético, a filosofia de Marx e Lênin, para, enfim, minar o Partido e abrir espaço ao revisionismo e suas mentiras.
Nesse sentido, o primeiro erro dos ecletistas é abandono da dialética. Afinal, a dialética que entende a firme conexão entre a teoria e prática. É ela que entende que a unidade na prática exige a unidade na teoria e vice-versa. Definir o centralismo democrático única e exclusivamente pela unidade de ação significa dividir teoria e prática separando-as com uma barreira imaginária, algo que só o pensamento metafísico permite. Se os ecletistas se preocupassem com a filosofia marxista, não entenderiam a falta de consideração desse pensamento? Ora, não faz sentido considerar que diferentes teorias sobre a prática alcançarão uma prática conjunta consciente e com base no convencimento — isso é antidialético. Diferentes pensamentos chegam a diferentes conclusões e práticas. Por isso, a unidade prática dos ecletistas é forçada, é mecânica. Um verdadeiro marxista entende que a prática do Partido está sujeita à sua teoria e que uma teoria eclética leva a uma prática “eclética”, ou melhor, descoesa.
Isso transforma o Partido numa colcha de retalhos, num grupo com diversos desejos conflitantes e não num coletivo com uma única vontade. Isso faz a direção do Partido ser vacilante, com suas decisões cada vez menos construídas em cima de um verdadeiro acúmulo de discussões e mais na base de decretos e deliberações burocráticas. Na prática, como um partido desse pode se dizer capaz de cumprir seu maior objetivo que é a revolução armada se nem todos os seus membros concordarão em como fazê-la? Poderá algum membro do Partido confiar sua vida a camaradas que podem não o seguir? Isso acaba por impedir que o Partido tome grandes decisões e jogue sua militância num processo revolucionário ou em qualquer grande tarefa política — o ecletismo, nos momentos mais sérios e decisivos, joga o Partido nas mãos do imobilismo.
O segundo erro dos ecletistas é o abandono do materialismo. Quando abraçam as diversas ideias no Partido deixam isso muito claro, pois negam a análise materialista que o marxismo faz sobre as ideologias. Afinal, qualquer marxista sério entende que a superestrutura e as ideias são, em última análise, produto da infraestrutura e das condições materiais. Isso significa que as ideias não são livres, mas ligadas à condição econômica e, consequentemente, ligada às classes. Assim, tanto existem ideias típicas da Burguesia, quanto do Proletariado. Por isso dizemos que o marxismo leninismo não é, senão, a Ideologia do Proletariado, da classe revolucionária. As demais, por sua vez, ou são representações diretas da Ideologia burguesa, ou apresentam desvios pequeno burgueses — a esse último grupo, adicionamos os anarquistas, esquerdistas, trotskistas, etc.
Quando permitimos essa diversidade vulgar de ideias, estamos desfigurando nosso Partido. Afinal, ele tem caráter de classe, é o Partido do Proletariado. Por isso, deve refletir sua classe em todos aspectos, desde o trabalho prático até a sua Ideologia. Isso significa um intenso debate em suas fileiras para corrigir desvios e para depurar elementos oportunistas. Sem esse longo trabalho, o Partido é sufocado pela Ideologia burguesa que está presente nos costumes, nas relações sociais e em todos aspectos comuns da sociedade burguesa. Se nos propomos a construir uma nova sociedade, nosso Partido deve se libertar dessas amarras ideológicas e, por isso, não deve ser um partido do Proletariado junto a Burguesia, não pode tolerar desvios pequeno burgueses, aceitar elementos aventureiros, etc. — concluindo, não deve aceitar diferentes elementos ideológicos. Como então, podem os ecletistas permitir ideologias estranhas à classe trabalhadora dentro do Partido?
Essa rigidez não é desmedida nem exagerada, mas uma preparação dos comunistas diante da luta de classes. Afinal, ter diferentes elementos de classe no Partido leva o palco dessa luta para o seu seio. Nele, passariam a atuar tanto os revolucionários, quanto os reacionários disfarçados. Além disso, todos nós sabemos que essa luta ocorre em diferentes graus e num momento revolucionário ou de decisões rápidas para acompanhar o passo da luta de classes, as diferentes ideologias se tornam um grande obstáculo, a semente de frações e, inevitavelmente de um racha no Partido.
Por isso, antes de qualquer expurgo ou racha entre Stalin e Trotsky no seio do PCUS, Lênin já dizia:
“O que hoje vivemos com frequência num plano puramente ideológico, isto é, as disputas em torno das emendas teóricas a Marx; o que hoje só se manifesta na prática a propósito de certos problemas parciais, isolados, tê-lo-á que viver inevitavelmente a classe operária, em proporções incomparavelmente maiores, quando a revolução proletária agudizar todos os problemas em litígio e concentrar todas as divergências nos pontos de importância mais imediata para a determinação da conduta das massas, obrigando a que se separarem, no fragor da luta, os inimigos dos amigos e a que se rejeitem os maus aliados, para assestar golpes decisivos no inimigo.” (Lênin, V. 1908. Marxismo e Revisionismo)
Para se defender, os ecletistas dizem que é a liberdade de ideias e o constante debate que leva ao amadurecimento do Partido, a um maior acúmulo de experiências e que, por isso, não há necessidade de “Centralismo Teórico”. Mas o que é esse Centralismo Teórico? Em nenhum livro do Lênin, do Stalin ou de qualquer revolucionário sério consta tal expressão. Isso porque o “Centralismo Teórico” não existe. Afinal, o Centralismo Democrático já é a unidade teórica, pois é um mesmo princípio que liga a teoria revolucionária e o movimento revolucionário numa marcha única. Esse conceito de Centralismo Teórico não é nada mais que uma invenção sem fundamentos materialistas usada por quem deseja a todo custo defender a liberdade para se pensar o que quiser, abandonando sorrateiramente o marxismo. Isso deixa claro o desejo dos ecletistas: degenerar o Partido usando um falso discurso de liberdade.
O ecletismo é um desvio individualista e burguês, pois assume que a ideologia de cada militante é mais valiosa que a ideologia do coletivo, quando, por certo, todo comunista deveria prezar a vida em coletivo. É até prepotente acreditar que um único militante tenha mais experiência que todo o conjunto do Partido para decidir por si só o que deve pensar. É não compreender o que é um partido leninista. Por isso, o individualismo se esconde atrás desse argumento de “liberdade” dentro do Partido, uma liberdade anárquica e liberal, liberdade para escolher não levar em consideração a avaliação dos companheiros. Assim, que valor tem uma crítica? Um valor subjetivo, pois cabe a cada militante aceitá-la ou não. E por isso, a luta política entre os militantes para buscar uma consciência do Partido fica restrita.
No entanto, muitas vezes o ecletismo é mais que um descaso ou um desvio. Isso porque o ecletismo é, muitas vezes, uma agenda, uma que busca destruir o Partido por dentro. Ao permitir elementos estranhos ao marxismo no próprio marxismo, os ecletistas escancaram seu objetivo fundamental: deturpar o marxismo e a sua filosofia. Grupos com esse objetivo não são novos, são até bem conhecidos pelos marxistas-leninistas. Afinal, é por meio de emendas ao marxismo, por meio da ignorância desse ou daquele ponto do materialismo dialético e pela adição de “novas” teorias — ou, melhor dizendo, velhas teorias com nova roupa — , que os revisionistas tentam afastar os comunistas da teoria de Marx. Dessa forma, em nada diferem os novos ecletistas dos “velhos” revisionistas, mostrando que o Ecletismo é, na verdade, o Revisionismo disfarçado.
Esse Revisionismo e demais tendências oportunistas surgem em diferentes momentos com o mesmo objetivo de apagar a consciência revolucionária. Porém, foi nessa luta que o marxismo se forjou e se desenvolveu. Durante a época de Marx e Engels, houve a luta contra os anarquistas, socialistas utópicos e idealistas no geral; na época de Lênin, economistas, mencheviques e todos oportunistas da 2ª Internacional; com Stalin, o trotskismo; na segunda metade do Séc. XX, o kruschovismo, eurocomunismo e demais desvios. E enquanto a luta contra o Revisionismo desenvolveu o marxismo, a sua aceitação significou a liquidação das conquistas do movimento comunista. A queda da União Soviética e do bloco socialista é a maior prova disso.
Por isso, a compreensão do fenômeno do Revisionismo é de extrema importância para os revolucionários e, para explicá-lo, Enver Hoxha escreveu:
“Considerado em seu conjunto, este fenômeno é produto da pressão da burguesia sobre a classe operária e sua luta. O oportunismo e o revisionismo têm estado estreitamente vinculados, desde o início, à luta da burguesia e do imperialismo contra o marxismo-leninismo, têm sido parte integrante da grande estratégia capitalista orientada para minar a revolução e perpetuar a ordem burguesa. A medida que avança a causa da revolução e o marxismo-leninismo vai-se difundindo entre as amplas massas populares, o imperialismo tem dedicado uma maior atenção à utilização do revisionismo como sua arma preferida contra a ideologia triunfante do proletariado, como instrumento para solapar esta ideologia.” (Hoxha, E. 1983. O Eurocomunismo é Anticomunismo)
Dessa forma, se explica o papel dos revisionistas, se explica a necessidade de uma luta sem trégua contra eles. Deve-se também entender que essa luta é, na sua raiz, uma luta ideológica. Nela, os valores e visões que estão dentro do Partido devem ser seriamente analisados, até nas suas diferenças mais sutis e imperceptíveis. Isso porque o Revisionismo é sorrateiro, disfarçado com uma fraseologia pseudo comunista. Assim, revisionistas atuam se chamando de revolucionários, pois só se chamando de marxistas podem atacar a revolução no seio do Partido. Sobre isso, Lênin deixou bem claro nos seus escritos:
“Por volta da década de 90 do século passado, esse triunfo [do marxismo como guia do movimento operário] estava, nas suas linhas gerais, consumado. Até nos países latinos, onde se haviam mantido por mais tempo as tradições do proudhonismo, os partidos operários elaboraram, de facto, os seus programas e sua táctica em bases marxistas. Ao reavivar-se — sob a forma de congressos internacionais periódicos — a organização internacional do movimento operário, esta coloca-se imediatamente, e quase sem luta, em todas as questões essenciais, no terreno do marxismo. Mas quando o marxismo suplantou todas as doutrinas mais ou menos completas que se opunham, as tendências que se expressavam através destas doutrinas começaram a procurar outros caminhos. Modificaram-se as formas e os motivos da luta, mas a luta continuou. E o segundo meio século de existência do marxismo (década de 90 do século passado) começou com a luta de uma corrente hostil ao marxismo no seio do marxismo.” (Lênin, V. 1908. Revisionismo)
Sabiamente, Lênin disse que o socialismo pré-marxista — outra forma de oportunismo no movimento revolucionário — “não continua a luta em seu próprio terreno, mas sim no terreno geral do marxismo, como revisionismo”. Por isso que Lênin lutou impiedosamente até contra os que eram “marxistas”, pois esses eram marxistas só na aparência. E é por essa luta ideológica que devemos muito a Lênin, pois foi ela que resgatou o verdadeiro marxismo. E como temos tanta certeza disso? Porque foi o marxismo relembrado e temperado por Lênin que trouxe a Revolução de Outubro. Foi esse marxismo que libertou a Rússia, Vietnã, Moçambique, Coreia, Europa Oriental e um terço do globo. Foi esse marxismo que inspirou os revolucionários na China e em Cuba, cada um com suas particularidades. Foi esse marxismo que livrou os povos da garra do imperialismo e interrompeu, enquanto foi seguido, a exploração do homem pelo homem. Esse marxismo é o que hoje chamamos de marxismo-leninismo, o marxismo da era do imperialismo e das revoluções. Por isso, os grandes processos revolucionários depois de Lênin seguiram firme ao lado do marxismo-leninismo, não do trotskismo ou menchevismo.
Por isso, a grande moral de Lênin é incontestável no movimento comunista atual. As consequências práticas do que Lênin escreveu e fez são irrecusáveis. Por isso, todos dizem representar Lênin, desde o campo do trotskismo até os grupos maoístas. E, por isso, os revisionistas adotam a bandeira do leninismo de forma falsa e oportunista — e esses são os nossos inimigos mais perigosos. Isso porque esses revisionistas expandem o conceito do marxismo-leninismo para adequar seus desvios e sua linha oportunista. Por isso, contra os falsos marxistas-leninistas, devemos travar a mesma luta ideológica que Lênin teve com os falsos marxistas. Isso é algo que os ecletistas com certeza não fazem de forma sincera. Afinal, se podem aceitar a possibilidade de um partido com maoístas, trotskistas e leninistas, que base têm para combater os desvios dentro do marxismo-leninismo em particular?
Por isso que os ecletistas são os primeiros a chorar com qualquer luta ideológica mais decisiva dentro do movimento comunista. Um exemplo muito claro é a sua linha vacilante na discussão entre trotskistas e os tachados “stalinistas” — que são apenas leninistas. É como se os ecletistas não enxergassem as enormes diferenças práticas que resultam de uma corrente ou de outra! Mesmo assim, eles permanecem com uma posição vaga. Um partido, quando tomado por ecletistas, não tem, infelizmente, outro caminho se não o de permanecer com opiniões vagas e ambíguas sobre as questões mais importantes que dividem o movimento comunista. Mas essa união abstrata dos diferentes comunistas em um único partido não é, senão, uma união falsa. Assim, Hoxha declara:
“Os golpes e pressões dos revisionistas, estrangeiros e internos, não podem ser afastados pela procura de uma linha centrista e vacilante, nem com a preocupação em manter uma unidade falsa e formal. O partido não pode ser recuperado por soluços e suspiros nem pode ser sacrificado para salvar o ‘prestígio’ de qualquer um num tempo em que esse ‘prestígio’ está sendo usado escrupulosamente para enterrar a grande causa da classe operária e do socialismo.” (Hoxha, E. 1964. Os Revisionistas Modernos no Caminho de se degenerar em Sociais-Democratas e se fundir com a Social-Democracia, tradução livre do Inglês)
O que querem os ecletistas? Uma união dos revolucionários com os revisionistas. Mas essa união não será eterna. Cada vez mais, os revolucionários irão perceber que o Partido não pode ter uma linha vacilante. Assim, restarão apenas os ecletistas convictos, aqueles que sabendo de todos erros que o ecletismo e sua linha significam, permanecem firmes na sua defesa. Esses não são simples ecletistas, mas verdadeiros oportunistas. Eles atuam contra o movimento operário e são, naturalmente, inimigos de classe em última análise. No Brasil, essa tendência se tornou um grave problema que precisa ser combatido. Camaradas, por isso, mesmo que os ecletistas possam agir como aliados atualmente, devemos nos diferenciar deles ao resguardar nossa Ideologia e nossa prática consistente do Centralismo Democrático. Só assim poderemos nos forjar, na luta contra o ecletismo e contra o revisionismo.
Por Aasha Hafa Macêdo Ferreira e Michael Douglas Lopes Castro Leão de Camargo